segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Poemas de Alberto Caeiro

Falas de Civilização, e de não Dever SerFalas de civilização, e de não dever ser, 
Ou de não dever ser assim. 
Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos, 
Com as cousas humanas postas desta maneira. 
Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos. 
Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor. 
Escuto sem te ouvir. 
Para que te quereria eu ouvir? 
Ouvindo-te nada ficaria sabendo. 
Se as cousas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo. 
Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres. 
Ai de ti e de todos que levam a vida 
A querer inventar a máquina de fazer felicidade! 

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" 
Heterónimo de Fernando Pessoa
Aceita o UniversoAceita o universo 
Como to deram os deuses. 
Se os deuses te quisessem dar outro 
Ter-to-iam dado. 

Se há outras matérias e outros mundos 
Haja. 

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" 
Heterónimo de Fernando Pessoa
O Único Mistério do Universo é o Mais e não o MenosNo dia brancamente nublado entristeço quase a medo 
E ponho-me a meditar nos problemas que finjo... 

Se o homem fosse, como deveria ser, 
Não um animal doente, mas o mais perfeito dos animais, 
Animal directo e não indirecto, 
Devia ser outra a sua forma de encontrar um sentido às coisas, 
Outra e verdadeira. 
Devia haver adquirido um sentido do «conjunto»; 
Um sentido, como ver e ouvir, do «total» das coisas 
E não, como temos, um pensamento do «conjunto»; 
E não, como temos, uma ideia do «total» das coisas. 
E assim - veríamos - não teríamos noção de conjunto ou de total, 
Porque o sentido de «total» ou de «conjunto» não seria de um «total» ou de um «conjunto» 
Mas da verdadeira Natureza talvez nem todo nem partes. 

O único mistério do Universo é o mais e não o menos. 
Percebemos demais as coisas - eis o erro e a dúvida. 
O que existe transcende para baixo o que julgamos que existe. 
A Realidade é apenas real e não pensada. 
O Universo não é uma ideia minha. 
A minha ideia do Universo é que é uma ideia minha. 
A noite não anoitece pelos meus olhos. 
A minha ideia da noite é que anoitece por meus olhos. 
Fora de eu pensar e de haver quaisquer pensamentos 
A noite anoitece concretamente 
E o fulgor das estrelas existe como se tivesse peso. 

Assim como falham as palavras quando queremos exprimir qualquer pensamento, 
Assim falham os pensamentos quando queremos pensar qualquer realidade. 
Mas, como a essência do pensamento não é ser dita, mas ser pensada, 
Assim é a essência da realidade o existir, não o ser pensada. 
Assim tudo o que existe, simplesmente existe. 
O resto é uma espécie de sono que temos, 
Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença. 

O espelho reflecte certo; não erra porque não pensa. 
Pensar é essencialmente errar. 
Errar é essencialmente estar cego e surdo. 

Estas verdades não são perfeitas porque são ditas, 
E antes de ditas, pensadas: 
Mas no fundo o que está certo é elas negarem-se a si próprias 
Na negação oposta de afirmarem qualquer coisa. 
A única afirmação é ser. 
E ser o oposto é o que não queria de mim... 

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

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